Desde que os passadiços foram inaugurados a 20 de Junho, facultando assim o acesso a belezas naturais que envolvem o rio Paiva e que até então estavam inacessíveis à grande maioria das pessoas, dois acontecimentos, de âmbito ambiental e ecológico, aconteceram por parte da Igreja Católica.
O primeiro foi a publicação, da Encíclica “Laudato Si”, inteiramente dedicada à questão ecológica e em que o Papa Francisco defende uma mudança no relacionamento da humanidade com o ambiente.
O segundo foi a criação pelo Papa Francisco do “Dia mundial de oração pelo cuidado da Criação” que passou a ser celebrado a 1 de Setembro de cada ano, não só pela Igreja Católica como também pela Igreja Ortodoxa.
Com a instituição deste dia o Papa Francisco, na sequência da sua Encíclica, manifesta as suas preocupações pelo futuro da criação e chama a atenção para o papel de protetores da criação que todos devem ter, ao mesmo tempo que motiva e promove atitudes de agradecimento a Deus pela obra maravilhosa que Ele confiou ao nosso cuidado.
Através destes dois recentes acontecimentos se vê a preocupação que a Igreja Católica tem pela preservação da Natureza, não apenas no mero sentido ecológico, mas promovendo também uma atitude de respeito pelos dons da Criação.
Sendo a encíclica “Laudato Si” o primeiro documento da Igreja expressamente dedicado ao tema da ecologia, tal facto contribuiu já para que o Papa Francisco fosse considerado um “embaixador da causa da conservação da Natureza”, alertando os responsáveis políticos para a ambição desmedida e para o egoísmo descontrolado face aos recursos que a natureza nos oferece.
É por isso que o Papa, na sua encíclica, foca a responsabilidade humana na degradação ambiental, muitas vezes posta ao serviço do poderio económico e do consumismo, o que faz com que “esta terra onde vivemos se torne realmente menos rica e bela e cada vez mais limitada e cinzenta”.
Na esteira do pensamento franciscano e do seu amor pela natureza e por todos os seres criados, o Papa Francisco considera, nesse seu documento, que “todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus”.
Os passadiços e a fruição da natureza
O investimento feito com a instalação dos passadiços ao longo de 8 km do percurso do rio Paiva, entre a praia do Areinho e a praia fluvial da Espiunca (Arouca), pretendeu permitir o acesso a sítios que rodeiam o curso do rio Paiva, inacessíveis à grande maioria das pessoas, permitindo-lhes assim usufruírem não só da beleza do rio “menos poluído da Europa”, como também das belezas que acompanham o seu percurso.
Sendo a natureza um enorme dom do Criador para ser usufruído por todos, tal como o Papa Francisco bem sublinhou na sua mais recente encíclica, têm surgido, no entanto, algumas posições adversas à instalação dos passadiços, argumentando que eles vieram adulterar o estado puro da natureza.
Considerando que tal instalação foi feita com os maiores cuidados ambientais, de modo a não perturbar ou agredir em demasia a paisagem natural, parece-nos que a maior parte dos críticos dos passadiços poderão enfermar de um certo fundamentalismo ecológico, alicerçado numa visão egoísta que visa impedir que muita gente usufruísse das belezas da natureza que emolduram o rio Paiva ao longo desse percurso. E a avalanche de pessoas que têm procurado os passadiços desde que estes foram inaugurados tem sido deveras surpreendente.
É certo que a fruição da natureza não será muito compatível com turismo de massas que, por vezes, perturba o ambiente e impede a sua fruição calma e serena com recurso a todos os nossos cinco sentidos. Infelizmente, em situações de massificação humana, há muita gente que calcorreia os passadiços, mas não observa, nem admira aquilo que merece ser contemplado e não apenas visitado.
Nota fúnebre
Estávamos nós a acabar de escrever este texto quando tivemos conhecimento do grande incêndio que deflagrou na freguesia de Canelas e Espiunca na tarde do dia 7 de setembro. De imediato nos veio à mente o receio de que os passadiços pudessem ser atingidos por esse devastador incêndio. E a verdade é que, pouco tempo depois, começavam a surgir nas redes sociais fotos e vídeos com os passadiços a arder.
Os numerosos comentários que imediatamente surgiram na sequência da propagação dessa notícia mostram bem a tristeza, a revolta e a desolação que este incêndio causou, não só em todos os arouquenses, como também em todos aqueles que prezam a fruição da natureza.
É natural que a maior parte dos comentários estejam marcados pela emoção de tristeza e revolta que a destruição de parte dos passadiços em todos causou, mas não nos devemos esquecer que antes deles serem atingidos pelo fogo, possivelmente criminoso, uma boa parte da natureza envolvente foi pasto das chamas. E se repor a parte dos passadiços queimada será relativamente fácil e rápido, repor a natureza desaparecida no pasto das chamas é bem mais difícil e levará muito mais tempo.
É por isso que natureza e passadiços do rio Paiva estão, neste momento, de luto e nesta nota fúnebre vai a tristeza, a mágoa e a indignação por tal acontecimento que, presumivelmente, terá tido mão criminosa.
Esperemos que a investigação já iniciada encontre as causas de tal tragédia ambiental.
José Cerca
Publicado no semanário “Discurso Directo” nº370 de 11 de setembro 2015