Da degradação à habitação
Integrado na Jornada de Arqueologia que decorreu no passado dia 16 de Outubro, subordinada ao tema “Arqueologia como contributo para o desenvolvimento”, organizada pela Arq4all (Arqueologia para todos) em colaboração com o Arouca Geopark, a Câmara Municipal e o Centro de Arqueologia de Arouca, teve lugar, na parte da manhã, uma visita a alguns monumentos situados no vale de Arouca, nomeadamente o Memorial de Santo António, o Casal Romano da Malafaia em Várzea e a Torre dos Mouros, em Lourosa de Campos. Todas estas visitas foram acompanhadas cientificamente pelo Dr. António Manuel Silva do Centro de Arqueologia de Arouca que foi comunicando aos participantes importantes dados históricos sobre cada um desses arqueo-sítios.
Também chamada de Torre Medieval, Torre Mourisca ou Torre dos Mouros de Lourosa de Campos, este edifício único no concelho de Arouca, é possuidor de uma longa história que remonta ao séc. XII.
De forma quadrangular e com 3 pisos, esta torre, contendo elementos góticos, juntamente com algumas características militares defensivas, nomeadamente seteiras e mata-cães, pertenceu a Soeiro Nunes “militar de Caambra” que a empenhou ao Mosteiro de Paços de Sousa através de escritura feita a 27 de março de 1264.
Segundo Simões Júnior, a entrega definitiva desta torre a este Mosteiro foi feita em 10 de Março de 1283.
Após a divisão da Mesa do Mosteiro de Paços de Sousa em abacial e conventual, esta torre passou para a posse dos Jesuítas e, posteriormente, para posse da Universidade de Coimbra que acabaria por a vender, passando, deste então, para o domínio particular até hoje.
Apesar de algumas tentativas por parte da Câmara Municipal de Arouca, e não obstante a sua importância histórica, este imóvel que se encontra inventariado no plano director Municipal, nunca foi objecto de classificação, encontrando-se actualmente em grande estado de degradação.
Adulteração e degradação
O edifício actual é uma reconstrução que se julga poder remontar a finais do séc.XIV, mas que já sofreu algumas adulterações, em época incerta, nomeadamente com a criação, de uma escadaria em pedra na fachada poente, com acesso ao segundo piso, através de uma antiga janela, transformada agora em porta, dando a ideia errada de ser essa a fachada principal da torre, quando, na verdade, a frente original da torre é o seu lado nascente, onde se encontra a entrada principal, em arco ogival com acesso ao 1º piso.
Constituindo esta torre uma das mais notáveis edificações medievais do Concelho de Arouca, é lamentável o estado de degradação a que chegou, muito embora tenham existido, no passado, algumas diligências feitas pela autarquia junto dos proprietários, no sentido da sua aquisição e restauro, mas que nunca encontraram grande abertura por parte dos mesmos.
Na recente visita efetuada no âmbito da Jornada de Arqueologia puderam os participantes constatar o estado de degradação em que esta torre se encontra.
Com grande parte do telhado já caído, as madeiras do 2º e 3º piso, já completamente apodrecidas, ameaçam ruir de vez, com o peso da lixeira e do entulho que se foi acumulando. A ameaçar cair está também a ombreira de uma janela do 3º piso aberta para a fachada principal.
A existência de um pequeno canil por baixo da referida escadaria, construída em data incerta e a construção de um curral, colado na fachada nascente, mesmo ao lado da porta principal, são lamentáveis adulterações que em nada respeitam nem dignificam o valor histórico desta rara torre medieval.
Da degradação à habitação
Parcialmente descaracterizado e em adiantado estado de degradação parece que esta torre vai ser, finalmente, recuperada para habitação.
Tivemos conhecimento que um projecto para esse efeito foi apresentado, pelos proprietários, nos Serviços municipais, tendo sido já aprovado em 2014, sem quaisquer condicionantes.
Entretanto, o Centro de Arqueologia de Arouca, ao ter conhecimento desse projecto, enviou um ofício à Câmara Municipal a informar não só da importância desse monumento, como também a aconselhar o acompanhamento arqueológico para as obras a virem a ser efetuadas no âmbito desse projecto.
Na verdade a eventual execução das obras de reabilitação poderão ser uma excelente ocasião e oportunidade única não só para restituir as suas características originais como também para se efectuarem escavações e registos fotográficos que contribuam para o estudo desta centenária torre.
Sem pretender pôr em causa as obras de recuperação, foi essa a preocupação do Centro de Arqueologia de Arouca ao enviar esse ofício à Câmara Municipal de Arouca, pois entende que tais obras deverão ter acompanhamento arqueológico.
Embora esta torre continue no domínio privado e apesar de nunca ter sido objecto de classificação como imóvel de interesse público ou municipal, o que aliás, mereceria, dadas as suas características e a sua longa história, parece-nos que o projecto de reabilitação para fins de habitação já aprovado será, apesar de tudo, uma boa ocasião para salvaguardar este monumento da sua inevitável degradação e recuperar as adulterações de que já foi vítima ao longo dos tempos.
Apesar de se encontrar desde há séculos no domínio privado, esta torre medieval desde sempre tem merecido o interesse e a curiosidade, por parte de muita gente, a ponto de os proprietários terem colocado à entrada da quinta onde ela se situa, uma placa indicativa de domínio privado.
Espera-se que com a sua recuperação, mesmo que seja para habitação privada ou de turismo rural, a importância desta torre mourisca continue viva no imaginário colectivo dos arouquenses, já que fará sempre parte do seu rico e ancestral património histórico.
José Cerca
Publicado no semanário “Discurso Directo” nº377 de 30 de outubro de 2015